
«Atravessamos o Tejo.(...)Vamos à proa,contra o vento,mas não faz frio. Vamos agarrados. Ela dá-me um beijo na cara e sussurra-me: "O meupai beijava-me assim". O amor é uma coisa no passado,muito longe.Temos pouco tempo.(...)Temos pouco tempo mas não temos pressa,não temos que chegar a nenhum lado.
(...)Vamos de mãos dadas.Levam-nos os passos que damos.Neste preciso momento é o suficiente. Os passos levam-nos por entre as ruas estreitas e iluminadas.Ouvimos o coração um do outro,só isso, ou antes, imaginamos o barulho que faz o coração um do outro e é o suficiente.(...)São só os passos que passam, e isso é o suficiente.
Depois estamos num quarto.Nenhum de nós tem a ousadia de abrir a luz.Temos medo de nós, e esse medo é bom, como um arrepio.(...) Ela põe um disco e a música enche o quarto.
"Faz-me qualquer coisa",diz, "qualquer coisa",repete. E eu faço. Não acabo de fazer.Sou muito desajeitado. Rimos. Não é bem nem mal: é só assim. E isso é bom.
Não vale a pena despedirmo-nos. Não vale a pena dizer quase nada. O que dizemos fica calado. Ouve-se só um pouco mais tarde. Aos poucos, baixinho, em segredo: são palavras que só nós sabemos.»
A Noiva Judia, Pedro Paixão, 1992
Imagem: Before Sunset,Richard Linklater (2004)
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